O Stress e o Mergulho, da Flutuabilidade a Doença Descompressiva. Uma Revisão Bibliográfica.
Como mergulhadores somos expostos a situações e ambientes diversos que essa pratica engloba, normalmente experimentamos vários níveis e naturezas de fatores estressantes e suas consequências em nossa fisiologia. Em outras palavras, o stress está presente na maior parte de nossas experiências, não só de mergulho como de nosso cotidiano em si, desencadeando respostas boas e ruins em nosso comportamento como resposta a todas as situações que nos encontremos.
O estresse é
o maior causador de situações de resgate e acidentes de mergulho. Emergências
são geralmente o resultado de uma somatória de pequenos erros, e não um grande
erro.
Reconhecer o estresse e lidar com ele no estágio inicial é um
componente crítico na prevenção de acidentes de mergulho.
Tipos de
Stress
O Stress,
inicialmente descrito por Selye (1947), é um estado produzido dentro do
organismo, sujeito a um estímulo conhecido como estressor (ameaça), ou como um
“estado” produzido por uma síndrome específica (Síndrome de Adaptação Geral –
SAG), incluindo mudanças dentro do sistema biológico.
Cada um tem
uma tolerância diferente ao estresse, que dessa maneira pode ser positivo ou
negativo. De acordo com Georgia Witkin- Lanoil, seja o estresse positivo ou
negativo, ele é determinado por três fatores:
1. Seu senso de escolha: Um desafio,
quando desejado, é um estímulo. O estímulo é o motivo da excitação ou aventura.
Ou, no caso de alguém aceitar um desafio produtivo, ele facilita a sensação de
trabalhar melhor sob pressão. As exigências que não são escolhidas criam
pressão indesejada e estresse negativo.
2.
Seu
grau de controle: à medida que seu controle real ou percebido sobre uma
situação diminui, seu estresse real ou percebido aumenta.
3.
Sua
capacidade de antecipar as consequências: Adaptação e ajuste são mais difíceis
quando as exigências e os resultados não são previsíveis. O inesperado e
desconhecido cria estresse negativo.
O aumento do
Stress, pode resultar num desempenho enfraquecido, devido ao número de mudanças
fisiológicas e físicas. Dois tipos de Stress, encontrados nos mergulhadores,
são os estressores psicológicos e fisiológicos.
Os estressores fisiológicos são normalmente relacionados com o
ambiente, equipamento e condição física. Os estressores fisiológicos do
ambiente, incluem, a temperatura da água, vida marinha, visibilidade e
correntes. O Stress relacionado com o equipamento, é geralmente ligado a fraca
adaptação do mergulhador ao equipamento a ser usado, e/ou um equipamento em más
condições. Uma ineficiente habilidade em nadar, e uma falta de condição física,
podem aumentar o stress, sentido subaquaticamente pelo mergulhador.
Os estressores psicológicos, encontrados pelos mergulhadores
podem ser relacionados com a falta de competência e experiência. A pressão em
terra, assim como, a pressão do tempo, são estressores psicológicos comuns
(Sharr, 1989,p.68). Mergulhadores também sentem Stress, com pensamentos de
possíveis perigos abaixo d’água. Outros estressores psicológicos podem não ser
relacionados com o mergulho, (tensão familiar, excesso de trabalho, problemas interpessoais),
mas podem ter influência no momento da imersão.
A
fisiologia do stress
O Estresse é
uma resposta bem humana ao tipo de excitação e estímulo que inicia o fluxo da
adrenalina. O estímulo repentino que sentimos quando amedrontados, assustados
ou ameaçados é chamado de síndrome de lutar ou fugir. A resposta lutar ou fugir
desenvolveu-se nos primeiros humanos como meio de sobrevivência. Foi ela quem
lhes deu o senso de correr do perigo ou lutar se encurralados.
Os humanos modernos têm uma resposta de lutar ou fugir altamente
desenvolvida. Alguns de nós podem ter sentido uma descarga de adrenalina antes
de fazer alguma coisa que não colocasse sua vida em risco, como por exemplo,
pedir um aumento.
Wilson e
Schneider (1981), reportaram que o Stress pode resultar em 1.400 respostas
psico – químicas no corpo (Asterita, 1985). Muitas das respostas fisiológicas
do Stress, são o esforço do corpo em resistir à mudança e manter a homeostase.
A maioria das respostas fisiológicas identificadas, ocorrem no sistema nervoso
autonômico, com mudanças nas respostas endócrinas.
A resposta fisiológica mais comum ao Stress,
inclui o aumento da pressão arterial, aumento do fluxo sanguíneo para ativar os
músculos, diminuição do fluxo sanguíneo para os órgãos que não estão
diretamente ligados ao assunto Stress, aumento das taxas do metabolismo
celular, aumento da concentração da glicose sanguínea, aumento da metabolização
da glicose nos músculos, aumento da energia muscular, aumento da atividade
mental e aumento da coagulação sanguínea (Allen, 1986).
Sob
condições normais, estas respostas ao Stress podem levar a efeitos positivos no
mergulhador, aumentando a resposta física numa situação de perigo. No entanto,
com o aumento do Stress, as respostas fisiológicas podem progredir para uma
síndrome de pânico psicológico, resultando numa hiperventilação, tensão
excessiva dos músculos e câimbra, aumento excessivo dos batimentos cardíacos e
dificuldades respiratórias – que representam um estado negativo e destrutivo
(Sharr, 1989, p. 66).
Como
anteriormente mencionado, os dois degraus fisiológicos principais afetados pelo
Stress são, o sistema nervoso autonômico e o sistema neuro – endócrino. O
estímulo simpatético (Sist. Nerv. Aut.) do coração resulta no aumento do ritmo
cardíaco, contrações vigorosas e metabolismo celular miocardial.
A vasoconstrição periférica,
resultante do estímulo simpatético, redireciona o sangue para fora da
periferia, proporcionando um aumento na circulação, para funções centrais do
corpo (talvez este seja um relevante tipo I de D.D nas articulações e pele). No entanto, dentro do sistema
respiratório, os efeitos resultantes do sistema nervoso simpatético, incluem a
dilatação dos brônquios e a constrição dos vasos sanguíneos locais. Os efeitos acumulativos no aumento do ritmo
cardíaco, dilatação dos brônquios e a constrição dos vasos sanguíneos locais
(Pulmão), potencialmente diminuem a eficiência dos pulmões, em remover as
bolhas de nitrogênio.
Podemos ver
o impacto que o Stress tem nos parâmetros fisiológicos, revelando que diversos
mecanismos de controle homeostático são afetados. Quando combinados, com os estresses
normais do mergulho, uma diferença nesses mecanismos de controle, pode resultar
no aumento da disposição do mergulhador, em ter uma doença descompressiva.
Sinais de
alerta do stress
Alguns
sintomas fisiológicos, podem incluir, a hiperventilação, pupilas dilatadas e
tensão muscular. Podemos ainda citar, a irritabilidade, erros mentais simples,
negligência, esquecimento, falta de vontade em completar as tarefas de
preparação da imersão (Crotts, 1994).
Entre os
primeiros sinais de alerta, estão: calor ou rubor, respiração
ofegante, enjoo ou náusea, batimentos rápidos, transpiração e tensão muscular.
Estes sinais
ocorrem por instinto. Quando os sinais aparecerem, pare e pense. Identifique a
origem.
Prevenção
do stress
Depois do
estresse inicial se instalar, normalmente existe uma sequência comum de eventos
que acontecem antes da instalação do pânico. Ao estar consciente destes
eventos, começa a entender como o estresse pode evoluir para o pânico e como
pará-lo.
Ele começa com um número qualquer de fatores estressantes que aumentam o
consumo de energia do mergulhador. O crescente consumo de energia leva a um
aumento nas frequências respiratória e cardíaca. Esse aumento nas taxas de
energia/respiração/coração causa ansiedade quando combinado com o fator
estressante original. Isso é conhecido como ciclo psicorrespiratório.
Se um fator estressante como uma corrente forte estiver presente, a
ocorrência inesperada de um fator estressante adicional, como o aparecimento de
um animal perigoso pode acelerar mais ainda a frequência respiratória até que o
mergulhador sofra de uma acumulação de dióxido de carbono. Se o ciclo
continuar, pode acontecer a hiperventilação, fazendo com que o mergulhador
sinta como se estivesse sufocando, o que embaixo d'água quase sempre pode
resultar em pânico ou no mínimo em uma perigosa corrida para a superfície.
Cabe salientar que, as modificações da frequência respiratória e da dinâmica da mesma, levam a alterações da flutuabilidade antes estabelecida, pela variação de volume dos pulmões e por consequência do tórax. Essa modificação se torna mais um fator estressante perante um cenário que também se retroalimenta. O estresse modifica a respiração, que leva a modificação da flutuabilidade, que aumenta assim o estresse.
Ao estar ciente do ciclo, pode interrompê-lo a qualquer momento.
Simplesmente pare, descanse, avalie as causas e tome as atitudes para
aliviá-las.
1.
Pare 2. Respire 3. Pense 4. Aja
Se for algo que não pode controlar, aborte o mergulho. Respirando
profundamente e relaxando, pode retomar o controle da respiração e interromper
o ciclo psicorrespiratório.
1 - Lidando com o Stress antes do mergulho:
Fazer um Bom Planejamento de Mergulho:
- Discuta os objetivos do mergulho.
- Defina e concorde com os
parâmetros do mergulho: profundidade, tempo de fundo, navegação, etc.
- Discuta o histórico de
treinamento e desempenho de habilidades.
- Saiba como o equipamento do seu
dupla funciona.
- Planeje problemas ou mudanças:
seja flexível e altere o planejamento conforme necessário.
- Realize uma verificação completa
antes de mergulhar.
2 - Lidando
com o Stress durante o mergulho:
Use os Métodos Mais Fáceis de Entrada e Descida:
- Use os métodos mais seguros e fáceis.
- Siga as instruções dos
profissionais de mergulho.
- Equalize cedo e frequentemente.
- Use referências visuais para
subidas e descidas.
- Preste atenção à profundidade e consumo de gás.
- Fique dentro dos limites não descompressivo.
- Sempre retorne à superfície com
uma reserva de gás respirável.
Fique atento ao Estresse Físico e
Monitore as Limitações:
- Conheça seus limites pessoais.
- Reavalie sua condição com
frequência durante o mergulho.
- Evite ficar fatigado.
Mantenha Contato Constante com o seu Dupla:
- Esteja sempre ciente da localização e condição do seu
dupla.
- Deixe-os saber que você está
prestando atenção.
- Monitore os padrões de
respiração dos mergulhadores.
- Imediatamente avise sobre
quaisquer condições estressantes.
3 -
Lidando com o Stress na fase final do mergulho:
Planeje Terminar seu Mergulho com 50 bar:
- Preste
atenção à profundidade e consumo de gás.
- Sempre retorne à superfície com
uma reserva de gás respirável.
- Mergulhadores em pânico subirão o mais rápido possível.
- Se o seu dupla está subindo
rápido demais, entre em contato e diminua a velocidade de subida.
- A garantia física pode ser tudo
que precisa.
Pare aos 5
Metros por 3 a 5 minutos:
Elimine qualquer Equipamento que
Esteja Criando Arrasto:
- O equipamento pode ser a razão pela qual um mergulhador
fica estressado.
- A remoção do equipamento
reduzirá o arrasto e o esforço.
- Perder equipamentos é melhor do
que arriscar uma situação de pânico ou lesão.
Mantenha Flutuabilidade Positiva na
Superfície:
Use o Método mais Fácil de Saída:
- Saia da água usando o método mais fácil e seguro
disponível.
- Mantenha todos os seus
equipamentos no lugar, a menos que seja instruído de outra forma.
Conclusão
O Stress
pode ter efeitos positivos e negativos nos mergulhadores. Cada pessoa tem uma
resposta diferente ao Stress. Os mergulhadores encontram o Stress, como
resultado do ambiente, fatores físicos e/ou psicológicos.
Qualquer resposta
fisiológica ao Stress, resultante dos mecanismos de controle homeostáticos,
podem render ao mergulhador mais susceptível, uma doença descompressiva.
Uma pesquisa
maior é necessária, para documentar estratégicas dos mergulhadores e a possível
relação, entre causa/efeito do Stress, e a Doença Descompressiva.
Com a
evolução de seus mergulhos, assim como de seus ambientes de mergulho, planeje
realizar um Curso de Especialidade Diver Stress & Rescue. Você se sentira
mais confiante e transmitirá essa confiança ao seu Dupla e a todos da equipe,
fator que diminuirá em muito os gatilhos de stress citados durante todo o
texto.
Referencia Bibliográfica:
- Curso de
Especialidade Diver Stress & Rescue; SSI (Scuba Schools International).
- Revista
Eletrônica Brasil Mergulho, artigo de medicina hiperbárica, “ Stress e doença
descompressiva estão relacionados?”.
Escrito por Carlos
Nelli Borges: Master Scuba Instructor pela PADI, Instrutor de Rebreather pela
TDI (E.1211.I) e Instrutor Trainer Rebreather pela RAB (BR-133-02/98),
possuindo mais de 1.200 mergulhos com rebreathers.
Excelente artigo Julio!! Eu acho a atividade de mergulho extremamente rica no que se refere ao aprendizado do controle emocional. Além da qualidade de informações que recebemos nos cursos, como o diver stress e rescue por exemplo, a vivência do mergulhador desde o preparativo até o ambiente aquático trabalha muito bem nosso auto controle, a ansiedade, a superação....o mergulho, ao meu ver, é uma grande ferramenta para desenvolvermos nossa inteligência emocional.
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